“Sermos reconhecidos como quilombolas nos
orgulha de verdade e mostra nosso valor perante a sociedade”. O trecho da
poesia feita por alunos da Escola Municipal de Marí, localizada no município de
Palmas do Monte Alto, no sudoeste baiano, retrata a alegria da comunidade em
receber a certidão de autorreconhecimento como remanescente de quilombos.
A
entrega do documento, emitido pela Fundação Cultural Palmares, foi realizada,
no último final de semana, pelo coordenador do projeto Quilombolas, Antônio Fernando,
da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), empresa vinculada à
Secretaria de Desenvolvimento e Integração Regional (Sedir).
Cerca
de 200 famílias das comunidades de Marí e Cedro, em Palmas do Monte Alto, e
Lagoa do Rocha, em Lagoa Real, receberam oficialmente a certidão. De acordo com
Antônio Fernando, a emissão da certidão de autorreconhecimento não representa
só o reconhecimento da identidade étnica do grupo, “é a reafirmação, pelo
estado brasileiro, dos direitos historicamente adquiridos por esta comunidade”.
Com
muita festa, as comunidades receberam o certificado, mostrando um pouco da sua
cultura para os que estavam presentes. Homens, mulheres, alguns idosos, e
crianças se uniram para uma roda de samba, onde a animação foi marca registrada.
Cantaram cantigas, desfilaram carregando as comidas típicas do local, com os
artesanatos produzidos e com seus instrumentos de trabalho.
Herança - Para a presidente
da Associação de Marí, EdileideNascimento Ramos, foi um dia muito especial para
todos. “Depois de uma luta árdua conseguimos conquistar o reconhecimento da
Fundação Palmares, que será importante para recebermos benefícios do governo,
mas nada é mais importante que a nossa cultura, nossos costumes e essa herança
que recebemos dos nossos ancestrais”.
Um
dia festivo, em que os remanescentes quilombolas mostraram que, apesar de todos
os preconceitos sofridos durante o processo histórico, continuarão a exigir o
direito reconhecido na Constituição brasileira de ser um grupo que preserva e
vivencia uma cultura própria. Edileide ressaltou o respeito e consideração que
a comunidade tem pela CAR, que “nos deu todo o suporte necessário para essa
conquista. Com esse grande passo, vamos batalhar agora por mais saúde, educação
e qualidade de vida”.
Preconceito
- Dona Ana Rosa dos
Santos, 72 anos, contou um pouco de uma das histórias do povo da comunidade de
Lagoa do Rocha, em Lagoa Real, em um tempo, não muito distante, que seus pais e
ela sofriam com o preconceito por serem negros.
“Eu
sempre tive muita vontade de votar, mas tinha muita vergonha, pois ouvia de
várias pessoas a frase ‘pra que negro votar?’. Ouvir esse tipo de coisa me
doía, mas enfrentei, tirei meu título e comecei a votar, pois eu tinha esse
direito”, disse Ana Rosa. Ela afirmou que até na hora da distribuição das
senhas, havia a distinção, “porque os brancos era os primeiros a receber a
senha e os negros ficavam para depois”.
José
Pinto, 89, também enfatizou as diferenças que eram latentes na sociedade. “Nas
festas, preto não dançava com branco, nem namorava, nem casava. Meu pai era
branco e foi rejeitado pela família por ter se casado com minha mãe, uma
negra”.
A
história de dona Ana e seu José são apenas dois exemplos do sofrimento de uma
parcela da população que ainda carrega consigo as marcas de uma trajetória de
desigualdade racial que atravessou décadas.
Remanescentes - As comunidades
quilombolas são grupos étnicos, constituídos pela população negra rural ou
urbana, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o
território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias.
Estima-se que em todo o país existam mais de três mil comunidades quilombolas.
O
Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, regulamenta o procedimento para
identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras
ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo
68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Conforme
o artigo 2º do Decreto 4887/2003, “consideram-se remanescentes das comunidades
dos quilombos, para os fins deste decreto, os grupos étnico-raciais, segundo
critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de
relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.
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